Agora
que você já se recuperou do momento bafão do post anterior, vamos, enfim, ao
relato de parto mais enrolado e empurrado com a barriga da blogosfera.
Prestenção, pegalá as gordices que eu sei que você tem na dispensa e senta que
lá vem mais história...
(se você ainda não leu o post anterior,
corre lá que eu tô te esperando)
"Dizem que antes de um rio entrar no mar, ele treme de medo. Olha
para trás, para toda a jornada que percorreu, para os cumes, as montanhas, para
o longo caminho sinuoso que trilhou através de florestas e povoados, e vê à sua
frente um oceano tão vasto, que entrar nele nada mais é do que desaparecer para
sempre. Mas não há outra maneira. O rio não pode voltar. Ninguém pode voltar.
Voltar é impossível na existência. O rio precisa de se arriscar e entrar no oceano. E somente quando ele entrar no
oceano é que o medo desaparece, porque apenas então o rio saberá que não se
trata de desaparecer no oceano, mas de tornar-se oceano." - Osho
‘Irmã, não nasce na quarta feira não, é dia de futebol na
escola. Nasce na quinta porque estou com preguiça de ir à aula de violão.’
E assim aconteceu. Aquela conexão de quem dividiu o mesmo
útero. Praticamente um complô.
Dia
14/03, uma terça feira, fui à ultima consulta com a G.O., o resto do tampão já
havia saído, eu estava com 1cm de dilatação e estava tudo ótimo com Dona
Azeitona. Não poderíamos utilizar remédios indutores, já que eu tinha uma
cesárea anterior, e iríamos esperar até 41 semanas para fazer induções
naturais. Naquele momento já estava toda trabalhada no medo do trabalho de
parto não engrenar.
No Dia
15/03 à noite, uma quarta feira, com a gravidez nos 45 minutos do segundo tempo
e a paciência acabando mais rápido que a bateria do meu celular (e do seu
também), notei que estava molhada: êpa, tô vazando. Botei o carefree amigo e
mantive um leve foco na paranoia.
Umas
2 horas depois, eu já estava no terceiro carefree e nada daquele cheiro de água
sanitária que todo mundo diz ter o liquido amniótico, logo presumi que não era
a bolsa: legal, tô com incontinência urinaria. Estava bacana saber do meu grau
evolutivo. Pensei em dormir, mas acabei me jogando o google: ´como saber se
minha bolsa estourou’ ‘incontinência urinária na gravidez’ ‘liquido amniótico
sem cheiro’ ’41 semanas e estou vazando’. Neurose apenas.
As
contrações de sempre iam e voltavam... Se o trabalho de parto for todo assim,
tô feita. Esse povo fala demais da dor. Que frescura, tranquilinho isso daqui.
CUSPI PRA CIMA, lógico.
Às duas
e meia da manhã eu sinto um tsunami de água transparente, inodora e quentinha
escorrer pelas minhas pernas. Água, muita água no meu colchão NO-VI-NHO, benza
Deus. Acordo o marido com a maior empolgação do mundo: ‘a bolsa estourou, é
hoje’, seguido por: ‘ainda bem que não tem mecônio, né, MAGIIIINA como seria
limpar essa sujeirada toda’.
Enquanto eu, plena, estava comemorando
internamente o inicio do trabalho de parto no estilo programa do Silvio Santos:
é ritmo, é ritmo de festa (é pra ler cantando a musiquinha pra dar aquela
agregada de valor ao post), marido estava tendo um breve ataque de pelancas.
Graças
ao siricutico do marido, imediatamente avisamos pra G.O. e para a enfermeira
obstétrica (vamos chamar de E.O.). Meu próximo passo seria avisar quando as
contrações estivessem de 5 em 5 minutos. Ok, tenho tempo ainda...
Lá
fui eu fazer a unhas. Pimba, uma contração, pausa no esmalte. Agora sim uma
contração decente, bem mais forte e real. Naquele momento eu ainda estava com
aquele sentimento de novidade: AI QUE LEGAL ISSO DE TRABALHO DE PARTO HÁ HÁ HÁ
HÁ HÁ HÁ.
Volta
pro esmalte... E pausa pra contração, e volta pro esmalte, e pausa... Assim se
sucedeu por uns 15 minutos, quando o marido, preocupado, liga pra E.O. avisando
que as contrações estavam com uma frequência de 3 minutos entre elas.
Pois
é blogosfera, já comecei logo no nível hardcore.
‘Ah, bacana, meu trabalho de parto vai ser
rapidinho’ #iludida
Enquanto
eu finalizava as unhas (pode julgar, minha gente, pode julgar), E.O. estava a
caminho. Quando chegou, as dores já estavam cada vez mais fortes e longas.
Junto com ela chegou minha mãe pra buscar meu filho, que estava feliz da vida
por não precisar ir à escola aquele dia. Ele não sabia se ficava contente pelo
nascimento da irmã ou se ficava assustado com meu comportamento, digamos, que,
primitivo. Era aquele mix de desconfiança, medo e felicidade estampado no
rosto.
A
partir daí eu perdi a noção de tempo. Fiz um coque horroroso no cabelo... Coque
não, nó mesmo (que tô tentando tirar até hoje) e fui pro chuveiro, sempre
tomando aquele cuidado para as unhas não borrarem. Glorioso.
(Pausa
para o momento fofurômetro: minha gatinha, que estava super antenada com a situação,
não saía do meu lado.)
La
pras 5 e pouca da manhã (do meu relógio inventado, pq não tinha noção NENHUMA
de hora), E.O. foi me examinar: colo já fino e centralizado com um de
dilatação. Um. Hum. 1. ONE.
UM, GALERA, UM.
TODA-A-DOR
e continuava com UM de dilatação... E eu já me considerava na partolândia há
muito tempo. Que ilusão. Naquele momento saquei a pauleira que iria enfrentar:
agora fudeu.
Para
evitar engarrafamento, marido e E.O. acharam melhor irmos para a maternidade
(acabamos optando pela maternidade mais longe de casa). Coloquei um vestido
cafona qualquer e fomos. Nesse momento eu ainda tinha alguma dignidade. Digo,
alguma, apenas.
Trajeto
casa-maternidade: O que falar sobre a experiência de estar em trabalho de parto
num transito matutino carioca? Sofrência blogosfera, sofrência seguida de quase
morte com requintes de crueldade. Eu berrando, segurando o rebozo e apertando a
mão da E.O., que estava lá firme e forte ao meu lado. Culpei o marido por T-O-D-A-S
as ruas esburacadas dessa cidade. Tá rachadinho ali no cantinho do asfalto, tá
vendo? Culpa do meu marido.
Às 7h
da manhã demos entrada no hospital (só sei disso porque estava escrito no
partograma), onde minha G.O. já estava esperando, e fui direto para a sala de
Parto Natural. Sala bacana, escurinha, chuveiro, banheira, luzes imitando
estrelinhas, bem naquele estilo: entra aqui, fique à vontade, pega uns drinks...
Coisa fina, só glamour.
Ah a
banheira, divina banheira. Devia ter tirado uma foto pra emoldurar e colocar na
parede da sala. Como ajudou, passei umas boas horas lá. Era levanta, deita,
senta... Tudo pra ver qual a melhor posição para encarar as contrações. E digo
amigas, não há. Dói sempre. Aquele papinho de ser tipo pedra nos rins, balela.
Não há adverbio de intensidade capaz de descrever a dor física que eu estava sentindo.
Logo
eu, que me preparei tanto para um parto tranquilo, cheio de conexão com o meu
corpo e de contrações amigas. A dor, que antes era a menor das minhas
preocupações, se transformou em personagem principal. Eu estava ali, de mãos
dadas com ela, na minha partolândia. Não cheguei nem a ficar brava com as
piadinhas inoportunas do meu marido. Aquele meu lado meio controlador e
perfeccionista estava lá longe me dando tchauzinho. A solução era se jogar como
se não houvesse amanhã.
A
cada contração, a sala de parto, até então silenciosa, era contemplada com um
maravilhoso ‘AAAAI AAAAI AAAAI’ vocalizado por mim, porque, na hora da dor, meu
bem, não dá pra segurar não. E se alguém colocasse alguma música da minha
playlist preparada especialmente pro parto, eu arremessava o celular longe. Eu
precisava do silencio, e vocalizar me ajudou a passar por todo o processo (e a
morrer de vergonha também).
O
tempo foi passando e eu nem fui sentindo. Periodicamente G.O., E.O. ou a G.O.
assistente vinham verificar os batimentos da bebê.
Continuei
na minha banheira amiga. Cheguei a dormir dentro dela e brigar com a contração
me acordando: ‘não, não, nãaaao, de novo nãooo, eu estava dormindo, poxa vida’...
Todos riram. Menos eu. Eu tava puta, tava dormindo, poxa.
Ali
minha dignidade já estava no fundo da poça de cuspe que eu dei pra cima. Eu
parecia mais uma sobrevivente de um apocalipse zumbi. E pra piorar meu cabelo
decidiu me sacanear... Estava semi molhado, coque caindo, cheio de frizz. Eu já estava sem top, toda nua, zero pudor.
Tudo muito glorioso. E primitivo. E nada, nada de sanidade mental.
Lembro
que foram feitos 3 toques ao longo do meu trabalho de parto (com 1, 7 e 10cm).
Acredito que o momento em que estava com 7cm de dilatação, foi quando a dor
chegou ao seu apogeu. E lá se manteve.
Caminhei no vale das sombras da morte. E temi pra cacete.
Com
10cm de dilatação eu não tinha mais forças nem pra mudar de posição. Não por
ter uma dor com intensidade aumentada, mas por já estar muito, muito esgotada.
Acabei optando pela banqueta de parto. Eu sentadinha lá, acocorada, meu marido
atrás de mim me segurando. E assim demos início ao tão temido por mim período expulsivo.
Nessa
hora eu pedi ajuda. Eu não aguentava mais, se existe algum limite de exaustão
física, eu estava nele. Cheguei a pedir buscopan, vai que, né?!
‘Você esperou chegar a 10cm de dilatação pra pedir
anestesia? Fez charme, pois sabia que não poderia mais tomar.’
É, acho que foi charme. Era só
pra dar o recado: tá doendo, tá?! Tô sofrida.
A
equipe, sempre tão doce, me deu forças para continuar:
’sua bebê já está chegando, só falta
nascer. Ela precisa de você.’
E ali
você, já tão desgastada, retira forças (não sei de onde) pra continuar. É, eu
estava parindo minha gente.
‘Faz força quando sentir vontade’
Que
vontade, minha gente? Foi então que naquele momento eu senti uma pressão
interna tão forte que não sabia nem se era o tal momento de fazer força, mas
fiz. Força, muita força, uma força que nem eu sabia que seria capaz de fazer...
Enquanto eu fazia força, meu marido atrás de mim, me segurando, fazia força
junto apertando levemente os meus braços. Aquele papo de força amiga sabe, vai
que nasce mais rápido, né?!
Agora visualizem o dilema: pra abrir pote de
azeitona preciso da ajuda do marido, mas pra parir tô de boa. Ok, vida que
segue.
A
pressão era tanta que eu nem estava sentindo mais a hora que acabava e começava
a contração: ‘quedê o espaço entre elass? QUEDÊ??? TÔ DE ALTOS’. Fazer força me
tirava a dor. Fazer força era bom. Eu só queria ter minha filha nos braços e
acabar logo com tudo.
E
naquele momento tão especial me lembrei do medo de fazer cocô no parto. Tanta
coisa linda pra focar, e minha mente trolladora me fazendo pensar em fazer
força pra frente (alô, dignidade?).
O
expulsivo durou tipo uns 754 anos apenas. Pra aumentar um pouquinho o nível de
dificuldade, D. Azeitona estava com dorso à direita e precisava rotacionar um
pouco mais para nascer, aumentando assim o tempo do período expulsivo. Era a
vida me testando.
Pra
completar, comecei a sentir a tal ardência. Eu disse ardência? Que pessoa
modesta. O que chamam de Círculo de fogo, eu chamo de labareda do inferno
versão vagina. Oh God, como ardeu!
Toda
aquele papo de pessoa empoderada que vai fazer e acontecer no parto, sentir a
cabecinha do bebê saindo, dançar e sorrir como uma deusa, caiu por terra. Eu já
estava aflita. Que tanto de força eterna é essa que eu tô fazendo e minha bebê
não nasce?
‘porque minha bebe não esta nascendo? Mimimi
Why God, Why? Mimimi’
‘sua bebe esta nascendo, quer sentir a
cabecinha?’
‘NÃO’
Oi?
Como assim eu disse NÃO, blogosfera? Passei quase 41 semanas jurando pela nossa
senhora protetora dos blogs que eu fazia questão de sentir minha filha saindo
de mim e na hora nem tchum??? Pode isso?
E pra
piorar, das poucas vezes que olhei pra baixo, via um mar de sangue e gosma que
só me faziam pensar que meu útero estava rasgando #drama
Em
meio ao caos, eu foquei.
E
então, com 40 semanas e 6 dias de gestação, em um ensolarado 16 de março, ao
12:38, ela veio. Eu, acocorada na banqueta, com meu marido por trás me
segurando, senti cada partezinha da minha filha saindo de dentro de mim.
Escutei o chorinho dela antes mesmo de ver seu rostinho. E peguei aquele
serumaninho que gestei com tanto amor. E me emocionei com toda a força. E
conjuguei o verbo no infinito. E ali eu, então rio, tornei-me oceano,
novamente.
Olivia
nasceu com 51cm e 3,905kg e teve apgar 9/10.
Foram
10 horas intensas de trabalho de parto.
Meu
parto foi natural, sem qualquer tipo de intervenção.
Eu
tive uma pequena laceração e levei ponto.
Parir dói (e muito), mas tem poesia. Faria tudo novamente.
(Ah,
eu não fiz cocô no parto rs)